quarta-feira, 19 de maio de 2021

The Frederico Varandas & Hugo Viana appreciation post

Chegou o momento de dar a mão à palmatória. Depois da catastrófica época de 19/20, nunca imaginei que Varandas e a sua equipa conseguissem dar a volta como deram, ainda mais num espaço de tempo tão curto. A minha descrença não se devia a falta de vontade em vê-los a ter sucesso - afinal de contas, votei nesta direção nas eleições de 2018 -, mas porque não conseguia vislumbrar qualquer rumo estratégico coerente nem capacidade para inverter a tendência de definhamento a que o clube parecia condenado no futebol. Mas, da mesma forma que há um ano me sentia defraudado, é da mais elementar justiça que afirme agora que o trabalho desenvolvido desde então foi excecional, e que sem isso não teríamos festejado o título que há tanto nos fugia.

Alguns dirão que foi sobretudo um golpe de sorte e que qualquer indivíduo pode ganhar o Euromilhões numa dada semana. Discordo por completo. Numa liga que tem os vícios que tão bem conhecemos e defrontando dois rivais com orçamentos muito superiores, sair o Euromilhões ao Sporting corresponderia a aproveitar o demérito de uma dessas equipas e garantir o acesso direto à Liga dos Campeões com um 2º lugar no campeonato. Ser campeão com este nível de brilhantismo - sem derrotas até se ter levantado o troféu -, superando em simultâneo um Porto de nível europeu e um Benfica que investiu como nunca, com o acréscimo de ter de suportar algumas arbitragens escandalosas, de ter sido perseguido pelos CDs e ANTFs e Unilabs da vida, nunca poderia ser apenas um golpe de sorte. Seria o equivalente a ganhar o Euromilhões em três semanas consecutivas - algo que, obviamente, nunca aconteceu nem nunca acontecerá, nem sequer ao cidadão mais afortunado do mundo. O Sporting pode ter tido alguma sorte em determinados momentos, como acontece com todos os campeões, mas não foi a sorte que determinou este desfecho.

O que mudou, então? Não vou repetir o que já escrevi sobre a importância de Amorim, é unânime o reconhecimento do papel central que o treinador teve. Mas um treinador não ganha sozinho, precisa de quem lhe crie as condições necessárias para desempenhar o seu trabalho da melhor forma que sabe. É aí que entra a estrutura.


Competência em várias frentes


Reforços dentro e fora de campo. A estrutura à volta de Hugo Viana foi reforçada e isso permitiu uma preparação de época incomparavelmente melhor à anterior. Os novos jogadores foram chegando a tempo e horas, sem grandes novelas ou fugas de informação, as opções que se tomaram quer nas saídas e nas entradas foram certeiras tendo sempre em consideração as componentes desportiva e financeira. Convém não esquecer que o dinheiro disponível para reforços era escasso e havia todo um plantel para reconstruir após um 4º lugar dececionante, pelo que a criatividade nas negociações foi trunfo fundamental: recorreu-se a regressos de emprestados (Palhinha, Bragança) e empréstimos (Porro, João Mário), a contratações a custo zero (Adán, Antunes) ou de custo reduzido (Feddal), a permutas para reduzir o preço (Nuno Santos) e a partilhas de passes (Pedro Gonçalves, Tabata). O Sporting gastou menos em todos os seus reforços de verão do que o Benfica gastou em Waldschmidt (ou Pedrinho, ou Everton, ou Darwin). O aproveitamento dos reforços foi quase exemplar: dos 10 jogadores que entraram, 7 foram titulares quase toda a época. Mais tarde, no mercado de inverno, houve discernimento para perceber as carências e ambição para dar ao treinador exatamente o que pretendia. No global, o desempenho no reforço do plantel foi brilhante.

Formação. A formação foi utilizada como complemento efetivo às contratações, de forma convicta e persistente, com renovações e melhorias contratuais a acontecerem de forma rápida e natural em função do rendimento demonstrado em campo. O Sporting voltou a ser o clube mais atrativo para qualquer miúdo que sonhe ser profissional, conforme referiu Rúben Amorim no dia em que lançou Essugo.

Comunicação. As intervenções públicas da estrutura foram raras e só aconteceram em situações em que o treinador não se podia expor. Seria fácil cair na tentação de procurar protagonismo, ainda mais estando na liderança do campeonato durante tanto tempo, mas nunca o fizeram - nem sequer nos festejos do título.

Covid. O risco da pandemia foi, na medida do possível, bem circunscrito. Apesar de ter sido uma das primeiras equipas, se não a primeira, a ter um surto a afetar grande parte do plantel - dificultando a preparação para o arranque temporada por indisponibilidade de jogadores e impossibilidade de realizar jogos de preparação -, a reação de isolar a equipa numa bolha foi imediata e permitiu minimizar os danos. A eliminação da Liga Europa foi talvez a consequência indireta mais nefasta (um mal que veio por bem, sabemos agora), mas felizmente não comprometeu em nada o arranque na liga. 

Ligação aos adeptos. Em ano de jogos sem público, houve a inteligência de oferecer todo um novo leque de conteúdos aos sócios e adeptos que permitiram uma proximidade à equipa como nunca tinha antes existido - entrevistas do ADN de Leão, Backstage dos jogos, Inside dos treinos - e que foram fundamentais para uma completa identificação do público com a equipa.


Foi um trabalho que envolveu muitos tipos diferentes de competências, transversais a toda a organização. 

Frederico Varandas, enquanto responsável máximo do clube e SAD, e Hugo Viana, como diretor de futebol, foram alvo de inúmeras críticas durante a época anterior, a maior parte justas face ao desempenho da equipa. Felizmente tiveram a força de vontade, capacidade e fortuna necessárias para inverter a situação e alcançar o impensável. Merecem o devido reconhecimento pelo excelente trabalho realizado e pela época inesquecível que nos proporcionaram.


O que se segue?


Depois de uma época desastrosa e outra de sonho, o que podemos esperar da próxima? Diria que o principal desafio será evitar o deslumbramento pelo sucesso. Há que consolidar e desenvolver as aprendizagens das últimas épocas, perceber que os desafios de 21/22 serão superiores e que a fasquia da exigência dos adeptos estará colocada num nível mais elevado. Não haverá margem para facilitismos, e não me refiro apenas ao futebol. Deixo de seguida outros três pontos que deverão ser encarados de forma prioritária.

Finanças. Aproxima-se o reembolso do empréstimo obrigacionista de 26M. Penso que é praticamente inevitável que se emita um novo, de valor superior e com uma taxa de juro mais reduzida, que, tendo sucesso, permitirá restaurar alguma estabilidade na tesouraria pela primeira vez desde o verão quente de 2018. Essa estabilização será fundamental para se poder finalmente começar a juntar o pé-de-meia necessário para a recompra das VMOCs - momento que eliminará em definitivo o espectro de perda da maioria da SAD.

Modalidades. Muitos acusaram esta direção de desinvestir nas modalidades, mas o tempo tem mostrado que a racionalização de custos era necessária face às dificuldades que o clube atravessou, agravadas ainda mais pela pandemia. Todos os outros clubes, portugueses ou europeus, tiveram de fazer o mesmo. O tempo e o museu têm mostrado também que, de uma forma geral, continuamos a ter equipas competitivas: a época 2020/21 ainda não chegou ao fim e já temos títulos no futsal (Liga dos Campeões, Taça de Portugal referente a 19/20, Taça da Liga), basquetebol (Taça de Portugal e ainda a Taça de Portugal referente a 19/20), voleibol (Taça de Portugal), hóquei em patins (Liga Europeia), atletismo (Campeonato Nacional de Corta-mato Masculino e Feminino) e rugby (Campeonato Nacional de XV Feminino). Manter a competitividade e a sustentabilidade de todas as equipas será sempre o caminho certo, se possível aumentando de forma gradual o peso da formação nas equipas principais - as conquistas do futsal foram exemplares também nesse sentido.

Unidade. Aproveitar o bom momento para tentar chegar a um compromisso com as claques, de forma a podermos voltar a sentir o incomparável ambiente a que nos habituámos em Alvalade e no Pavilhão João Rocha. Obviamente que, aqui, será necessário existir boa vontade de todas as partes, mas a bem do clube, das suas equipas e atletas, é fundamental termos o conflito sanado quando os recintos desportivos forem reabertos ao público.


São desafios importantes que precisamos de superar. Os sportinguistas sabem, por experiência própria, que muitas coisas podem mudar no espaço de um ano: ainda há pouco tempo observámos o clube desabar sobre si próprio em poucos meses; mas neste último ano, muitas coisas mudaram para melhor, para muito melhor. Que continuemos a caminhar neste sentido e que daqui a um ano estejamos ainda mais próximos do clube eclético, competitivo, sustentável e unido que todos desejamos.

terça-feira, 18 de maio de 2021

Os facilitadores da estrelinha, parte 2

Primeira parte do post: LINK


Muros na baliza

Foi uma das transferências mais discretas, pelo valor, pelo momento e pelo buzz positivo que não gerou na altura, mas a chegada de António Adán ao Sporting foi seguramente uma das que maior impacto teve na competitividade da equipa. O veterano guarda-redes espanhol fez uma época excecional, não só pelas várias defesas impossíveis que fez, mas também pela segurança que sempre conseguiu transmitir à equipa.

Não se lhe consegue identificar um ponto fraco: jogo de pés fulcral para a saída de bola, muito certo nas saídas aos cruzamentos, atento ao controlo da profundidade, forte no 1x1 e excelentes reflexos entre os postes. Não entrando em comparações sobre o seu valor global como guarda-redes, diria que Rui Patrício é mais forte entre os postes e no 1x1 (top mundial, na minha opinião), mas não é tão completo como o espanhol.

O nível exibicional de Adán não deu hipóteses a Luís Maximiano, mas é da mais elementar justiça referir que, no único jogo do campeonato em que participou, Max fez uma defesa gigante aos pés de Éber Bessa que manteve o resultado a zeros numa altura crítica do jogo.

Se o Sporting foi campeão, deve-o muito aos muros que teve na baliza.


Meio-campo low-cost com soluções para todos os gostos

De uma época para a outra, o Sporting transformou quase por completo a gama de soluções para os dois lugares no centro do terreno. Manteve-se Matheus Nunes, deixaram o clube Battaglia, Doumbia, Wendel e Geraldes (falo apenas daqueles que pareciam contar para Amorim no final de 19/20), e entraram Palhinha, João Mário e Daniel Bragança. As saídas renderam algum dinheiro, mas as entradas custaram zero, o que permitiu reforçar outras posições carenciadas.

Não foi preciso esperar muito tempo para que a dupla Palhinha / João Mário proporcionasse os equilíbrios de que o coletivo necessitava. Palhinha é um touro que está sempre no sítio certo e com uma capacidade de desarme imperial, enquanto João Mário é um mestre a segurar a bola e a gerir os tempos da equipa. Os dois deram a Amorim o tempo que este necessitava para desenvolver as alternativas: Matheus Nunes dá outra capacidade para esticar o jogo, principalmente quando as pernas começam a pesar aos adversários; Bragança é um maestro com uma área de ação alargada.

Ainda que a dupla Palhinha / João Mário tenha sido a mais utilizada ao longo de toda a época, foi notório um crescimento gradual de importância de Matheus e Bragança a partir de dezembro. Na 2ª volta, pode dizer-se que Amorim teve à sua disposição um quarteto a quem podia confiar diferentes missões. 20 valores para o meio-campo que se arranjou (75% prata da casa, mais um regresso por empréstimo) considerando o dinheiro que (não) havia para gastar.


União de aço

Dificilmente se encontrará grupo mais heterogéneo, considerando a veterania de parte dos elementos do plantel e a juventude de outra fatia considerável de jogadores. A verdade é que funcionou na perfeição misturar perfis de liderança serena como o de Coates ou Adán, um porta-voz mobilizador como Neto, os elementos ultracompetitivos referidos na 1ª parte deste post, e ainda a irreverência juvenil de Tiago Tomás, Quaresma, Matheus Nunes ou Nuno Mendes. Isto, obviamente, potenciado pela liderança carismática de Amorim que não teve problemas em usar a experiência de João Pereira ou Antunes para orientar um balneário com perfis tão diferentes na direção do objetivo comum.

De uma forma ou de outra, passou-se a ideia de que todos tiveram o seu papel a desempenhar e que todos deixaram a sua marca nas conquistas. "Onde vai um vão todos" foi um lema levado à letra, e esse espírito de grupo foi decisivo para ultrapassar as fases mais difíceis da época.


Ao ataque em janeiro

Os ajustes que se fizeram ao plantel no mercado de transferências deram o sinal de ambição necessário para uma equipa que muitos ainda teimavam não considerar como verdadeira candidata. 

João Pereira e Matheus Reis foram aquisições de baixo risco que ofereceram profundidade ao plantel em posições carenciadas.

Paulinho foi uma aposta de risco pelos valores da transferência e por ainda envolver a saída de Sporar, o que significava que o Sporting continuaria com um único ponta-de-lança de raiz no plantel. Para piorar, Paulinho não chegou nas condições físicas ideais e acabou por perder alguns jogos por lesão. Os golos não surgiam e a pressão foi acumulando. 

Mas o risco acabou por compensar. Não tanto pela quantidade de golos marcados (apenas 3 até hoje, sendo que o 1º aparece mais de 2 meses após a sua chegada ao clube), mas sobretudo pelo que fez jogar. Certo, não teve um impacto que justifique o valor da etiqueta, mas fez aumentar a qualidade de jogo do coletivo. Nunca poderemos tirar isto a limpo, mas quem sabe se não terá sido o nível de melhoria necessário para fazer a diferença entre o triunfo e mais um ano de jejum?

segunda-feira, 17 de maio de 2021

Os facilitadores da estrelinha, parte 1

Até há não muitos meses, quando o Sporting teimosamente resistia na liderança contrariando todos os prognósticos feitos por adeptos e especialistas, muitos explicavam os bons resultados do principal candidato ao 4º lugar com a famosa estrelinha. As escassas oportunidades consentidas aos adversários eram um acaso, a coesão e organização demonstradas em campo eram fruto das circunstâncias. Era, sobretudo, uma questão de sorte.

Curiosamente, Rúben Amorim não só não rebateu essa teoria - que, percebia-se bem, era uma forma de diminuir o seu trabalho -, como até abraçou de bom grado o discurso da estrelinha: provavelmente achou que só teria a ganhar em ser encarado como um outsider que, mais cedo ou mais tarde, acabaria por fraquejar, para além de que não tinha nada a perder em reclamar para si algo que, nos momentos decisivos, poderia mexer na cabeça dos jogadores a seu favor.

É verdade que se costuma dizer que não há campeões sem sorte, e que a estrelinha pode salvar a equipa em um, dois ou três resultados. Mas quando se começam a acumular os jogos resolvidos da mesma forma, o mais provável é que haja muito trabalho por detrás dessa sorte. E o tempo veio demonstrar que foi precisamente o que se passou neste caso. Aqui ficam, por nenhuma ordem em particular, alguns fatores que, na minha opinião, foram fundamentais para a conquista do campeonato.


Mensagem clara e coerente

Não sei como Rúben comunica dentro do balneário. Apenas tivemos um cheirinho no vídeo publicado pelo Sporting pouco depois da conquista do título, e foi arrepiante. Mas já temos 14 meses de conferências de imprensa e flash interviews que nos permitem concluir, sem margem para dúvidas, que Amorim é um comunicador absolutamente brilhante. As mensagens que transmite são certeiras, claras e duplamente coerentes: tanto no sentido da consistência ao longo do tempo, como também vão ao encontro daquilo que depois se observa em campo.

Exemplos? "Jogo a jogo", nunca poupando jogadores em risco de suspensão já a pensar em partidas teoricamente mais difíceis na jornada seguinte. "Vamos perder um dia, mas acreditamos que não será esta semana", e nunca se viu a equipa baixar os braços mesmo nas circunstâncias mais difíceis. "O céu até pode cair que não vamos mudar a forma de fazer as coisas", definindo um modelo ao qual foi sempre fiel, jogando com variantes subtis que foi desenvolvendo e adaptando em função das necessidades. "Não olhamos para o bilhete de identidade dos jogadores", lançando TTs e Inácios e Braganças e Essugos às feras. "Onde vai um vão todos" foi o lema da época, gerado espontaneamente num momento de contrariedade, que mobilizou jogadores, estrutura e adeptos à volta de um objetivo e de um ideal.

Para além disso, tem a inteligência para escapar a todas as perguntas com armadilha que lhe foram colocando, nunca caindo na tentação para menorizar ou provocar um adversário.

Costuma-se dizer que a palavra é uma arma, e Rúben manejou-a com mestria. Foi assim que conquistou o universo sportinguista e um grupo de trabalho que confia cegamente na sua liderança.


Uma linha defensiva primorosa

A coordenação da linha defensiva do Sporting é uma obra de arte. Um dos meus guilty pleasures nos jogos do Sporting tem sido observar o desespero dos avançados adversários quando percebem que foram apanhados mais uma vez em fora-de-jogo. 

Ainda mais extraordinário é verificar que essa coordenação se manteve irrepreensível independentemente das circunstâncias.  A linha é composta pelos três centrais e um lateral? Não há problema. Pelos três centrais e pelos dois laterais? É igual. Inácio está suspenso e entra Neto? Já todos sabemos a resposta.


Não ter vergonha de ser inteligente

Foram várias as situações de aperto em que a equipa percebeu que teria melhores hipóteses de obter um bom resultado oferecendo a bola ao adversário - algumas vezes descaradamente -, fruto da confiança inabalável do Sporting no seu processo defensivo e na sua capacidade de sofrimento. Tem o risco acrescido de deixar treinador e jogadores mais expostos à crítica, porque toda a gente - dos adeptos aos comentadores - prefere ver uma equipa a ter bola e a assumir as despesas do jogo.

Abdicar da iniciativa foi uma opção recorrente que, verdade seja dita, nem sempre acabou bem. Em alguns jogos, a equipa pareceu satisfeita com o 1-0 e acabou por permitir o empate. Mas, contas feitas no final, foram muito mais as situações em que a estratégia resultou: foi assim em Braga, em Faro, no Dragão, na final da Taça da Liga, e em várias outras partidas em que a equipa preferiu cerrar os dentes nos minutos finais e aguardar organizadamente as tentativas de ataque adversário do que se expor a transições mais arriscadas. Não é tão bonito, mas não há dúvida nenhuma de que foi mais inteligente.


Um matador improvável

Quando o Sporting contratou Pedro Gonçalves, o que mais me chamou a atenção nos vídeos que na altura circularam foi a classe na condução e a frieza na finalização nos lances dos golos que marcou a Benfica e Porto com a camisola do Famalicão. Estava longe de imaginar, no entanto, que fosse a máquina goleadora que permitiu ao Sporting atravessar quase ileso o primeiro quarto do campeonato, fase em que as dores de crescimento eram maiores por estar em curso a afinação de processos e entrosamento de um onze composto maioritariamente por jogadores recém-chegados ao clube.

Na 5ª jornada marcou os dois golos na vitória por 2-1 ao Santa Clara. A seguir picou o ponto no jogo em atraso da 1ª jornada contra o Gil Vicente. Depois marcou os dois primeiros golos na goleada ao Tondela e repetiu a dose em Guimarães. Voltou a bisar na vitória por 2-1 ao Moreirense e ainda abriria o marcador em Famalicão. 10 golos em 6 jogos que valeram muitos pontos e permitiram o Sporting lançar-se isolado numa liderança que não mais largaria.


Mentalidade ultracompetitiva

O Sporting teve, no passado recente, muitas equipas de qualidade com grandes jogadores. No entanto, salvo algumas exceções (como Bruno Fernandes), eram jogadores que se pareciam resignar demasiado facilmente quando as coisas não corriam bem. 

Nesta época assistimos à entrada de jogadores como Nuno Santos, Palhinha, Pedro Gonçalves e Porro que dão tudo em cada lance, ficam furiosos consigo próprios quando algum lance não lhes sai bem e parecem conseguir canalizar essa frustração à flor da pele para melhorar o seu rendimento e, com isso, dar também um abanão na equipa. Injetaram doses importantes de inconformismo que, a meu ver, foram fundamentais em vários momentos da época.


Duas estrelas nas faixas

Não havendo jogadores na frente muito fortes no 1x1, as responsabilidades de criação de desequilíbrios foram, muitas vezes, colocadas nos ombros de dois miúdos que tiveram uma época explosiva. Não é comum um lateral revelar-se como o jogador mais decisivo de uma partida, mas o Sporting teve dois que valeram muitos pontos: Pedro Porro, jogador com uma vertigem ofensiva que causa inveja a muitos extremos, e Nuno Mendes, um criativo que encontrou a sua zona de conforto junto à faixa esquerda. Para além disso, ambos são defensores competentes (especialmente Nuno) e têm um pulmão quase inesgotável.

Não foi por acaso que ambos chegaram a internacionais A nas respetivas seleções. Mendes e Porro, aos 18 e 21 anos são, facilmente, a melhor dupla de laterais que me lembro de ver jogar no Sporting.


(continua)

quinta-feira, 13 de maio de 2021

Os derrotados de 2020/21

O rescaldo desta tão desejada conquista do campeonato não ficaria completo destacando apenas os responsáveis pelo sucesso: a história do título também é explicada em parte pelos responsáveis pelo não insucesso, protagonistas que, seja por natural obrigação (pelo cargo que ocupam) ou por indisfarçável desejo (apesar do cargo que ocupam), fizeram tudo o que podiam para impedir este desfecho e, ao contrário do que tem sido costume, falharam.

O futebol português tem a particularidade de estar carregada de figuras para quem não existe limites de tabuleiros onde se pode jogar. Qualquer questão, de natureza pessoal ou profissional, desportiva ou não desportiva, é utilizada desde que isso possa aproximar um centímetro que seja da sua meta. E não faltaram tabuleiros originais onde se jogou em 2020/21...

Aqui ficam os principais, por ordem crescente de relevo e/ou esforço.


7º - António Salvador

Esperneou muito quando o Sporting foi buscar Rúben Amorim, mas desconfio que, no seu íntimo, se riu da jogada de mestre que pensava ter aplicado ao único rival que existe (apenas) na sua cabeça. Nunca perdeu uma oportunidade de gozar o prato e foi metendo na comunicação social todos os detalhes da operação (IVA incluído) e - neste caso com razão - das dificuldades que o Sporting teve em cumprir o acordado.

Esperneou também na venda de Paulinho, e aí acredito que lhe tenha custado mais. O Braga estava na luta por vários objetivos e não era bom, desportivamente, prescindir de uma das suas principais figuras. Salvador fez o seu papel e espremeu o Sporting o mais que pôde, conseguindo um negócio financeiramente muito bom para o seu clube.

As vitórias na imprensa ficaram-se por aí. De resto, a época foi um pesadelo para o nosso querido trolha.

Ficou furioso quando o Braga perdeu em Alvalade. Mais furioso ficou ao ser derrotado na final da Taça da Liga. Mas o ponto mais baixo terá sido quando teve de assistir, a partir da tribuna do estádio de que é inquilino, ao momento mais determinante da conquista do campeonato. Como de costume, reagiu como uma criança frustrada - até "valeu" divulgar fotografias do lixo deixado no balneário pelo Sporting - e a sua equipa entrou em colapso a partir daí, comprovando que a motivação de presidente e restante organização provém quase exclusivamente dos confrontos com o Sporting.

A verdade é que, ao descobrir Amorim e ao aceitar negociá-lo, o presidente braguista acabou por ser, de forma indireta, um dos obreiros deste título - e o melhor de tudo é que Salvador tem plena consciência disso. Não deve estar a passar dias fáceis.


6º Jorge Jesus

Depois de uma passagem de tremendo sucesso no Brasil, voltou para Portugal pela porta grande para relançar a carreira europeia e servir as ambições eleitorais de Vieira. Esquecidos os conflitos do período quente de 2015/16, o retomar da parceria entre presidente e treinador, suportada por um investimento inédito no reforço do plantel, deixava antever um passeio a nível interno e a reafirmação do clube a nível europeu.

Jesus, no seu estilo tão próprio, não desiludiu à chegada: aterrou em Tires com uma cobertura mediática ao nível de uma visita do Papa (o de Roma), foi apresentado no Seixal com toda a pompa e circunstância ao lado das provas das suas façanhas - finais europeias perdidas incluídas - e com um discurso 50% mais ambicioso do que o que teve em Alvalade em 2015. O Benfica não ia jogar o dobro, ia jogar o triplo e arrasar a competição.

O descalabro às mãos do PAOK foi simultaneamente prenúncio e catalisador de uma realidade que ficaria distante das promessas. Vieira foi forçado a vender o esteio da defesa para compensar um orçamento totalmente dependente do apuramento para a Champions, a estrutura da equipa abanou e Jesus não foi incapaz de encontrar soluções. A equipa que ia arrasar viu-se fora das contas do campeonato quando ainda havia metade dos jogos para disputar, e não deve ter sido fácil para o ego de Jesus ver Amorim alcançar à primeira no Sporting aquilo que ele próprio não conseguiu em três tentativas.

A responsabilidade do fracasso de 2020/21 não terá sido toda de Jesus, mas isso é tema de outro âmbito que não é para aqui chamado. Ainda que, verdade seja dita, o principal objetivo aos olhos de quem o contratou tenha sido alcançado: Vieira foi reeleito para mais um mandato de quatro anos.


5º: As viúvas

Dizem-se sportinguistas, mas não são. Alguns até poderão ter cartão de sócio com quotas pagas, mas não com a intenção de ajudar o clube a ser maior: fazem-no apenas com o objetivo de serem uma força de bloqueio e de, um dia, poderem consumar a sua vingança. Até lá, vão ocupando o tempo a insultar, perseguir e ameaçar adeptos sportinguistas que se atrevem a ter opiniões diferentes das suas, e a lançar periodicamente "bombas" que, invariavelmente, ficam por detonar. Fazem exatamente aquilo que apontavam a outros há uns anos. Em caso de dúvida, podem facilmente ser identificados pela intensa azia que mostram a seguir a qualquer sucesso do Sporting e pelo sentimento de culpa que tentam colocar nos sportinguistas que não seguem o seu triste exemplo.

Querer o melhor para o Sporting e celebrar os sucessos do Sporting não implica que se goste da direção atual nem que não se reconheça o que de bom foi feito pela direção anterior. Mas há que seguir em frente porque as direções e os presidentes passam, e o clube continuará sempre o seu caminho com maiores ou menores dificuldades. Há muitos sportinguistas que votarão numa alternativa quando a altura chegar, mas que não deixam de desejar o melhor quando uma equipa nossa entra em competição - independentemente da modalidade ou de quem criou a secção, independentemente de quem contratou jogador X ou Y. É ver o exemplo das claques, que continuaram a apoiar as equipas sempre que possível, apesar de a sua situação ainda estar por resolver.

Nem imagino o cabeção com que estarão as viúvas nesta altura. Arranjem outro interesse na vida, apoiem outro clube, mas deixem o Sporting em paz. Como podem ver pelo que se passou esta época, o Sporting não precisa de vocês.


4º Pinto da Costa

Tem muitos anos disto, títulos como ninguém, mas desta vez foi devidamente castigado pelo recurso à bazófia quando afirmou, em vésperas de deslocação do Sporting a Braga, que o Porto seria campeão em condições normais. Só ele saberá realmente o que queria dizer com "normal", mas a verdade é que a interpretação mais consensual entre os sportinguistas se confirmou de imediato: seguiram-se duas arbitragens que fizeram os possíveis e os impossíveis para tirar pontos ao Sporting.

Para o Porto, foi mais uma época "contra tudo e contra todos", apesar de a quantidade de decisões de arbitragem a seu favor ter atingido proporções absurdas, apesar de terem beneficiado de um penálti a favor a cada 180 minutos, apesar da tolerância quase inesgotável para com os acessos de fúria de Conceição e outros elementos do staff após resultados negativos, apesar da rábula que criaram com a Unilabs para retirarem de campo Nuno Mendes e Sporar da meia-final da Taça da Liga, apesar dos números que Luís Godinho, Rui Costa, Fábio Veríssimo, Soares Dias, Manuel Oliveira e outros fizeram em jogos do Sporting. Noção precisa-se.

Para a história, fica também o pedido de Pinto da Costa para ter o mesmo tratamento dado ao Sporting. Considerando o historial dos últimos 40 anos no futebol português, é melhor ter cuidado com aquilo que deseja.


3º Os amigos do apito

A chegada do VAR limitou-os mas, com o tempo, foram adaptando os seus métodos.

Os mais habilidosos sabem como fazê-lo sem prejudicar a nota, decidindo para um lado ou para o outro no limite do critério. O melhor exemplo da temporada foi a decisão de Soares Dias mostrar o 2º amarelo a Gonçalo Inácio em Braga aos 18' por uma falta muito menos grave do que as que deveriam ter valido um 2º amarelo a Gilberto em Alvalade ou a Pepe na Luz. Como se explica que o mesmo árbitro tenha decidido desta forma, considerando que se tratavam de três jogos de importância capital?

Os menos habilidosos são mais descarados: Manuel Oliveira e Luís Ferreira tiveram, no Sporting - Nacional, a arbitragem mais escandalosa desde que há VAR em Portugal, fechando os olhos a 3 penáltis e 2 expulsões como o resultado ainda a zeros; Fábio Veríssimo disfarçou mal a pressa em amarelar um recém-entrado Palhinha por uma disputa de bola banal, de forma a deixá-lo de fora contra o Benfica; Luís Godinho, espoliou o Sporting de 4 pontos com múltiplas decisões aberrantes em Alvalade contra Porto e em Famalicão; e mais exemplos haveria.

Sim, também houve algumas decisões a favorecer o Sporting, mas o saldo não deixa dúvidas a ninguém. Desta vez, e ao contrário de tantas outras épocas, as arbitragens não foram determinantes para o desfecho do campeonato... mas não foi por falta de tentativa.


2ª Cláudia Santos

Criou o cambalacho da época ao tentar impor uma doutrina de aplicação de justiça que só faz sentido aos seus olhos. A forma como geriu o caso Palhinha expuseram a sua vontade e incompetência, devidamente castigadas dentro e fora de campo: Palhinha pôde ser utilizado e o Sporting venceu o dérbi. Isso sim, foi justiça poética.

Dra. Cláudia & Cª não se deram por vencidos e viraram as agulhas para Amorim, aplicando-lhe suspensões sucessivas e um processo que o ameaça deixar sem trabalho durante vários anos, criando jurisprudências e precedentes em função das falhas que apanham no Sporting. Há uns dias saiu a notícia de que o Braga será castigado com dois jogos à porta fechada por terem tido Custódio como treinador - já todos perceberam a que porta irão bater a seguir. 

Uma justiça prepotente e cega, no pior sentido do termo, que funcionou como instrumento de vendetta pessoal é tudo menos justiça. Num país a sério, esta senhora e seus pares há muito que teriam sido colocados no olho da rua.


1º José Pereira

O furriel a quem nunca deixaram comandar uma companhia deve estar com um cabeção do tamanho de um Panzer VIII Maus, ao ver o mancebo Amorim a liderar uma unidade por quem ninguém dava nada e que, sozinha, venceu a II Guerra Mundial.

Deixando as analogias militares de lado, de um lado temos um treinador que conseguiu uma das maiores proezas a nível interno da história do futebol português (o recorde de mais jogos consecutivos sem perder numa única época já ninguém lhe tira), enquanto do outro está um dirigente cuja experiência total de jogos como treinador principal cabe nos dedos de duas mãos.

Com que moral é que José Pereira, inapelavelmente desautorizado pelos factos, poderá continuar a vender os seus cursos de treinador que pouco mais são do que uma validação burocrática e inútil de qualidades que só se podem aferir realmente no campo e no balneário? Se calhar está na altura de dar lugar a alguém que faça evoluir a ANTF do lobby de televendas que é hoje para uma verdadeira classe de treinadores.

Cinco jogos que definiram a época

A época 20/21 proporcionou-nos muitos momentos memoráveis, mas escolheria estes jogos se tivesse de escolher os cinco principais:


5º Um mal que veio por bem

Sporting 1 - LASK 4 (Liga Europa, play-off de qualificação)


Foi uma derrota europeia que, tenho a certeza, valeu muitos pontos no campeonato. O Sporting que iniciou a época era uma equipa pouco rotinada - do onze habitual, sete jogadores tinham chegado na pré-temporada - e com muito menos soluções prontas a contribuir do que agora - Inácio, Bragança, Matheus Nunes, Tiago Tomás cresceram muito ao longo da época, enquanto Paulinho, Matheus Reis e João Pereira ainda não tinham chegado.

Obrigar a equipa a realizar mais seis partidas em mês e meio entre finais de outubro e meados de dezembro tornaria muito mais complicada o treino e desenvolvimento de rotinas e, sobretudo, a gestão física de um plantel demasiado curto para atacar tantas frentes. A frescura seria fundamental para a série de 10 jogos em 38 dias entre 2 de janeiro e 9 de fevereiro, período em que defrontou o Porto, Benfica e duas vezes o Braga, alargando a vantagem para o 2º classificado de 2 para 8 pontos e conquistando pelo meio uma Taça da Liga.


4º - Caçador de tempestades

Nacional 0 - Sporting 2 (13ª jornada)


Viagem sob uma tempestade que impediu que o avião aterrasse no aeroporto do Funchal, desviando a comitiva para o Porto Santo. Pressões da Liga denunciadas pelo Sporting para que se forçasse a aterragem, sem aparentes preocupações pela segurança de tripulantes e passageiros. Equipa presente à hora do jogo, sob chuva impiedosa e um vento que arrastava qualquer objeto que não estivesse bem seguro. Ainda assim, Rui Alves insistia em que se jogasse. Felizmente o árbitro teve bom senso e adiou a partida para o dia seguinte.

As condições não eram muito melhores, mas lá se jogou. Menos vento, mas muita chuva e muita lama. Uma batalha que mostrou que não só a equipa era capaz de ignorar a pressão montada à sua volta, como também se tratava de um Leão todo-o-terreno, adaptando-se muito bem às difíceis condições e marcando dois golos sem resposta. Os três pontos viajaram na mala de regresso a Lisboa numa viagem bem menos atribulada.


3º - Até ao último minuto

Gil Vicente 1 - Sporting 2 (18ª jornada)


Depois de meio campeonato quase imaculado, a 2ª volta abriu com outro jogo com condições climatéricas complicadas. São Pedro abriu a barragem, mas, ao contrário da Choupana, o relvado de grande qualidade de Barcelos permitiu que se jogasse. Não que o Sporting conseguisse tirar partido disso: a exibição foi pobre e raramente chegou à baliza de um Gil Vicente que foi a melhor equipa na 1ª parte e que chegou à vantagem com justiça.

Mas os campeões também se fazem com noites em que vencem sem convencer, em que de uma forma ou de outra lá arranjam maneiras de meter a bola na baliza. Neste caso, a maneira foi só uma. Estava reservado para os 10 minutos finais um bis de Coates, o ponta-de-lança de improviso menos improvisado de sempre, que permitiu ampliar a vantagem para o Porto para 8 pontos, crítica para um clássico do Dragão que já aparecia ao virar da esquina.


2º - Demonstração de força

Sporting 1 - Benfica 0 (16ª jornada)


Um dérbi que começou uma semana antes, à conta de um 5º amarelo a Palhinha que tresandou a encomenda. De tal óbvio foi, que o próprio árbitro não teve alternativa se não reconhecer o erro, mas não o suficiente para o Conselho de Disciplina, que confirmou o castigo e recusou ouvir o jogador.

Amorim manteve o grupo à margem da polémica, preparou o jogo sem o seu médio defensivo titular e depositando publicamente toda a confiança em Matheus Nunes. Uma providência cautelar acabaria por suspender a sanção a poucas horas da partida e Palhinha voltou a estar disponível, mas nem assim Amorim mudou de ideias. O treinador passou o maior atestado de confiança possível que se pode dar a um jogador e foi com Matheus para a guerra. Quis o destino que o golo da vitória fosse marcado nos descontos precisamente por Matheus, resultando numa esmagadora tripla vitória - em campo, no balneário e na secretaria - que teria um impacto tremendo no resto da temporada.


1º - Via Verde para o título

Braga 0 - Sporting 1 (29ª jornada)


No Dragão, dirigentes e adeptos já sentiam o cheiro a bicampeonato e a reedição da recuperação de 7 pontos na época anterior para o Benfica de Bruno Lage. Acabado de consentir 3 empates nas 4 jornadas anteriores e permitindo a aproximação do Porto de 10 para 4 pontos, o líder parecia em quebra e visitava a Pedreira num jogo de altíssimo risco.

A margem para erro era quase nula e desapareceu por completo quando Artur Soares Dias decidiu mostrar um 2º amarelo forçado a Gonçalo Inácio aos 18', dando um pontapé no seu próprio critério (Gilberto contra o Sporting e Pepe contra o Benfica não tiveram o mesmo azar por faltas bem mais grosseiras). Leão colocado fora, sobraram 10 leões que cerraram os dentes, souberam sofrer e aproveitar para resolver o jogo de forma absolutamente clínica.

O título não ficou fechado, mas a vitória em Braga inverteu em definitivo o estado psicológico dos dois candidatos e abriu caminho direto para o título.

quarta-feira, 12 de maio de 2021

O 13º trabalho de Hércules

Não é fácil colocar em palavras, de um dia para o outro, o significado da conquista do campeonato, de explicar todo um conjunto de sentimentos demasiado bem guardados e reprimidos durante dezanove longuíssimos anos que, ontem, puderam finalmente subir à superfície. Fruto da prática acumulada, foi-se tornando bem mais simples descrever os sentimentos que nos dominaram a alma durante o tal jejum: frustração pelos desaires e desespero pelas oportunidades que vimos escaparem-nos por entre os dedos, muitas vezes acompanhados pela revolta de sabermos de que não estávamos a participar numa competição justa. De alguma maneira, lá fomos descobrindo fontes renováveis de fé e persistência que nos permitiram sobreviver a episódios inimagináveis até chegarmos a este maravilhoso ponto da história, que cada um de nós pode agora viver e experienciar de uma forma que mais ninguém conseguirá entender por completo.

Neste momento, e como tenho de começar por algum lado, o principal sentimento que identifico é gratidão. Gratidão por ter assistido à proeza extraordinária que é chegar a um título ao fim de 32 jornadas sem ter conhecido adversário que nos superasse em competência e força de vontade, enfrentando e estilhaçando todos os "mas" e todos os "ses", as tradições e os fatalismos, os orçamentos e os currículos, e ainda os Pereiras e as Cláudias e os Arturitos e os profetas da normalidade. Um autêntico 13º trabalho de Hércules dos tempos modernos, ultrapassado de forma imaculada por um grupo fortíssimo onde todos, sem exceção, do roupeiro ao presidente, sem vedetismos, souberam desempenhar o seu papel em prol do coletivo.

A sensação de triunfo é sempre maravilhosa, mas mais especial fica quando alcançada respeitando os melhores pergaminhos e valores do emblema que veneramos - aquela mistura perfeita da irreverência da juventude e da solidez da veterania, com uma fortíssima marca da formação que sempre nos orgulhou -, planeada e executada de forma sublime por um treinador que, não sendo um dos "nossos", conseguiu compreender-nos, adaptar-se ao clube e às expetativas que veio encontrar, e também moldar o clube às qualidades que trouxe e de que tanto precisávamos. Amorim merece esse destaque porque mudou tudo, disfarçou fragilidades e potenciou qualidades dentro e fora de campo, desmontou paradigmas, fabricando um desfecho que ninguém imaginava possível.

É sempre arriscado fazer juízos históricos em cima dos acontecimentos. No entanto, pela forma como alcançou o título e pelas circunstâncias em que o conseguiu - apanhando um clube dividido, dispondo de recursos financeiros muito abaixo dos de ambos os rivais, enfrentando a desconfiança e inevitável cobrança que a fatura dos 10 milhões provocou, e ainda sendo alvo de uma perseguição sem paralelo por parte de dirigentes supostamente imparciais -, diria que Amorim conseguiu o maior feito de um treinador de futebol na história do clube, eventualmente ao qual apenas a conquista da Taça das Taças se pode equiparar. E pode-se discutir, também, se não será um dos maiores feitos da história de todo o futebol português a nível interno.

"E se correr bem?", Rúben? Foi tão, mas tão acima disso...

terça-feira, 28 de julho de 2020

"It's not me, it's you", parte 2: O plantel e o mercado

No post anterior debrucei-me sobre a dança de treinadores e total ausência de um fio condutor lógico e consistente nas sucessivas escolhas feitas neste mandato. Hoje vou escrever sobre o plantel e o mercado. Aqui, o panorama consegue ser ainda mais negro.

Varandas teve todo um ano 0 para preparar a época que agora terminou. Sou sensível ao argumento das dificuldades de tesouraria e da necessidade que havia em vender, mas não há desculpa que justifique a razia de qualidade que o plantel do Sporting sofreu nos três mercados que passaram desde que Varandas e Viana pegaram nas rédeas do futebol. 

No dia em que tomou posse, o presidente tinha Coates, Mathieu, Gudelj, Wendel, Bruno Fernandes, Nani, Raphinha, Acuña e Dost. O plantel era desequilibrado, caro, mas tinha uma base de qualidade que permitiu, mesmo sem uma liderança técnica forte, conquistar duas taças. Hoje, essa equipa parece um luxo em comparação com o que temos agora: sobram apenas Coates, Wendel e Acuña (sendo que o argentino parece estar de saída), o plantel continua com um nível salarial demasiado elevado (escandalosamente elevado se considerarmos a sua qualidade) e, de todas as contratações feitas por esta direção, apenas Sporar cumpriu os mínimos para ser considerado titular indiscutível (o facto de não ter concorrência a sério acaba por ajudar). Na categoria de boas contratações podemos ainda incluir Matheus Nunes e Plata, pela relação custo/potencial. Nenhum dos outros jogadores adquiridos ou cedidos por empréstimo, tenham jogado mais ou menos minutos, alcançou um nível de rendimento desportivo que justificasse o valor que foi pago ou o salário que lhes foi oferecido. Foram dezenas de milhões de euros esbanjados, parte dos quais de forma escandalosamente incompetente.

Os primeiros sinais do mercado que agora inicia não são bons, por dois motivos. Primeiro, porque as pessoas que gerem o mercado são as mesmas e, a não ser que Rúben Amorim e Paulo Noga consigam pôr um pouco de ordem à mesa, o mais provável é os resultados sejam idênticos. Houve tempo para contratar um diretor desportivo a sério, mas aparentemente o presidente não viu necessidade de correções a este nível. Depois, porque o ataque ao mercado parece estar a ser pouco focado e propenso a repetir erros do passado. Faz sentido contratar um guarda-redes com um salário elevado quando estamos a desenvolver Max? Ou afinal já não é para apostar em Max? Que sentido faz contratar Antunes, em final de carreira e vindo de uma lesão grave que o limitou a 180 minutos de competição em 19/20? Vamos mesmo trazer Porro sem uma opção de compra acessível? As notícias sobre o interesse num tal de Jason, do Valência, é uma piada de mau gosto dos jornais ou temos de dar mais uma voltinha no carrossel? Falta muito para começarem a despachar jogadores que não justificam o salário que ganham? Vamos deixar outra vez para o fim o reforço de posições que necessitam de reforços urgentes? 

Com tantas carências identificadas, não é aceitável que se ande a desperdiçar mais milhões em jogadores que não sejam um upgrade claro em relação ao que já temos. Jogadores para o banco já existem em número suficiente: casos como Matheus Nunes, Plata ou Tiago Tomás, demasiado verdes; casos como Vietto, Jovane ou Ristovski, pouco regulares; casos como Borja, polivalente que pode ser útil; ou ainda jogadores que andaram emprestados como Ivanildo, Dala, Palhinha ou Bragança. É fundamental colocar o foco em jogadores que subam o patamar competitivo da equipa. Numa época em que se qualificarão para a Liga dos Campeões 2+1 equipas, o fracasso no mercado poderá ter consequências arrasadoras para o futuro do clube.

Presidente: it's not me, it's you. Chega de brincar com o Sporting.



segunda-feira, 27 de julho de 2020

"It's not me, it's you" (*), parte 1: Os treinadores de Varandas

A contratação de Keizer foi a primeira grande decisão desportiva do mandato de Frederico Varandas. Face à desconfiança com que o fraco currículo do holandês foi recebido, Varandas revelou ao mundo sportinguista o seu critério de quatro parâmetros para seleção de técnicos: competência técnica e tática, liderança, gestão de grupo e comunicação. No entanto, a alegada proficiência de Keizer nesses quatro parâmetros não foram suficientes para o aguentar por muito tempo no clube. Mesmo depois de ter conduzido o Sporting à melhor temporada dos últimos 18 anos (palavras do presidente com que não concordo), o técnico holandês foi despedido poucos dias após o fecho do mercado de verão da época que agora terminou. O treinador do projeto de Varandas, cuja contratação não teve nenhum risco (palavras do presidente), não chegou aos 10 meses no cargo.

Seguiu-se Leonel Pontes, que à data liderava uma equipa de sub-23 que passeava na Liga Revelação. O facto de ninguém assumir de forma clara que Pontes era uma solução provisória, aliada à falta de pressa na contratação do sucessor de Keizer, davam a entender de que a direção estava na expetativa para ver se Pontes desenrascaria como técnico principal. Um empate e três derrotas em quatro jogos demonstraram que não só não desenrascou, como foi suficiente para enterrar de vez quaisquer hipóteses que o clube ainda tivesse no campeonato e deixar a continuidade na Taça da Liga presa por um fio.

Então, Varandas apresentou Jorge Silas, desta vez sem qualquer referência aos quatro parâmetros de seleção referidos na contratação de Keizer - agora o importante era ter um técnico que conhecesse bem o futebol português e fosse ambicioso. Nas entrelinhas, todos perceberam que Silas era a solução possível após negas de uma longa lista de treinadores. A desculpa saída da boca do presidente que ficou a ressoar nos ouvidos dos sportinguistas foi a de que os treinadores com currículo não estão para "aturar um clube de malucos", na tristemente célebre entrevista dada à Teresa, Teresa, Teresa, Teresa. É preciso recuar muitos anos (provavelmente até Carvalhal) para encontrar um técnico que tenha entrado tão fragilizado no clube.

Fragilidade que, sem surpresa, matou Silas à nascença. Sem capacidade para galvanizar o grupo de trabalho e impor mudanças fundamentais para se conseguir sacar o quer que fosse da época, o técnico português foi definhando à medida que os meses foram passando, sem qualquer sinal de apoio da direção e da estrutura profissional de que o presidente tão orgulhosamente fala. O único aspeto notável pela passagem de Silas no Sporting foi a forma como anunciou semi-oficialmente, em conferência de imprensa de jogo, o nome do seu sucessor.

E assim chegamos a Rúben Amorim, técnico que um ano antes andava pelo Campeonato de Portugal e que começou a época no Braga B. Foi promovido por Salvador a técnico da equipa principal e, sob o seu comando, o Braga arrasou tudo e todos. Um par de meses fulgurantes que, para o visionário Varandas, foram suficientes para perceber que estava ali o seu treinador. Mais uma vez, os quatro parâmetros de Keizer ficaram na gaveta: agora, o importante era ter coragem para apostar na formação. Varandas pegou no dinheiro da venda de Matheus Pereira - dinheiro que ainda não tinha - e bateu a cláusula de 10 milhões perante o choque de todos os que conheciam o currículo do treinador e as (tão faladas) dificuldades financeiras que, nos meses anteriores, tinham servido de justificação para todos os fracassos desportivos. O problema é que, quando se pega em dinheiro que não se tem, as coisas não costumam correr bem: a interrupção das competições acabou por adiar a transferência definitiva de Matheus e o Braga continua sem ver um tostão da cláusula.

Rúben Amorim tem muito para aprender enquanto treinador, mas, na minha opinião, tem mostrado qualidades que poderão fazer dele o treinador de que o Sporting precisa. Se vai conseguir ter sucesso no Sporting, é outra conversa: infelizmente, está dependente da qualidade dos jogadores que o duo formado por Varandas e Viana lhe conseguir arranjar. Mas falarei dos jogadores e do mercado na segunda parte desta série de posts.

No que a treinadores diz respeito, a única conclusão possível é que Varandas vai decidindo em função de fezadas, embrulhadas cuidadosamente nas justificações mais convenientes que houver no momento para tentar passar a ideia de que existe algum tipo de estratégia na génese das escolhas. Já não engana ninguém. É apenas navegação à vista. 

Presidente: it's not me, it's you.


(*) Adaptação de uma das mais famosas frases da mítica série Seinfeld, utilizada frequentemente por George Costanza para acabar com relacionamentos da forma menos incómoda possível.

sexta-feira, 15 de maio de 2020

A venda da maioria da SAD

A venda da SAD voltou a ser tema diário. Se nas últimas semanas a discussão se tem vindo a fazer sobretudo nas colunas de opinião dos jornais e sites que acompanham a vida do Sporting, nesta sexta-feira foi a vez de André Bernardo, vogal do Conselho Diretivo do clube e administrador da SAD se pronunciar sobre o assunto em entrevista dada ao Record. Num curto comentário, reconheceu que é "um modelo que existe em muitos clubes europeus" e concluiu dizendo que "o Sporting é dos sócios e como tal essa é uma decisão dos sócios do clube". 

Nada que tenha sido dito por André Bernardo está errado. É, efetivamente, um assunto que terá sempre de passar pela aprovação dos sócios segundo o que está estipulado no Artigo 43º dos estatutos do clube. No entanto, perdeu uma boa oportunidade para ir mais além na sua resposta. 

André Bernardo deveria ter respondido que a venda da SAD não faz parte do plano estratégico para a segunda metade do mandato que foi apresentado nesta semana porque o programa eleitoral da atual direção é contrário à venda da maioria da SAD. Essa decisão pode não passar pela direção, mas a direção deve ter uma opinião firme nesse sentido, até porque, na minha opinião, a venda da maioria da SAD é um tema que não deve ser alimentado em demasia - pois é mais um contributo para a imagem de fragilidade que se tem vindo a fortalecer com o clima de permanente instabilidade vivido nos últimos anos. Pronunciando-se algum elemento da direção sobre o tema, só poderia ser para o matar até ao final do mandato e não para o manter em suspenso.


Seria preciso um milagre para que a venda da maioria da SAD resolvesse o quer que fosse. A liga portuguesa é irrelevante, o mercado português é pouco apelativo do ponto de vista financeiro, e seria um prego no caixão do ecletismo e da capacidade de mobilização única que este clube tem. A identidade do clube seria ferida de morte. Será preciso um milagre para conseguir atrair um investidor sério, endinheirado e com know-how. Os sócios passariam a ser clientes com um poder de compra médio sofrível, o dinheiro da entrada de capital rapidamente se esvairia sem hipóteses de se renovar, e não tardaria a que se voltasse a discutir os problemas financeiros e de competitividade do clube. Se bem que, nessa altura, qualquer discussão sobre os problemas do Sporting seria totalmente estéril porque os seus donos não teriam de passar cartão à opinião de ninguém.

Diria que esta discussão se tem prolongado apenas porque o futebol está a atravessar uma silly season sem precedentes - à ausência de jogos já habitual nos defesos, junta-se a falta de especulações sobre transferências de jogadores - e sempre ajuda a ocupar páginas de jornais e horas de emissão televisiva. O debate de ideias é saudável e não traz nenhum mal ao mundo, mas aquilo que o clube menos precisa agora é de mais um ponto de stress do qual não se poderá tirar qualquer proveito prático. 

terça-feira, 3 de março de 2020

A contratação de Rúben Amorim

Não sei o que Rúben Amorim vale como treinador. Os resultados iniciais no Braga são bastante positivos, mas a amostra ainda é muito pequena para se saber ao certo se são fruto das circunstâncias ou da capacidade do treinador. Não é preciso fazer um grande esforço de memória para nos recordarmos dos primeiros dois meses de Keizer ao serviço do Sporting: o holandês arrasou quando chegou, deixou Varandas babado com a sua própria capacidade para detetar talento onde mais ninguém via - fácil, fácil -, mas não tardou muito para que o clube caísse de novo na realidade.

Da mesma forma que não sei o que vale Rúben Amorim como treinador, tenho a certeza que Varandas e a sua entourage também não sabem. Já o viram treinar alguma vez? Sabem que ideias tem como treinador? Como reagirá em momentos de dificuldade, em períodos de maus resultados prolongados? Se tem a capacidade para lidar com a pressão de um clube como o Sporting? Se conseguirá agarrar um balneário com jogadores que já viveram de tudo na sua carreira? Se encaixará num projeto sustentado e adequado à nossa realidade? Obviamente que não sabem o suficiente. Andam a jogar à lotaria com treinadores na esperança que lhes saia o prémio grande. A ânsia que existe no futebol português em encontrar o novo Mourinho raramente funcionou no passado, e as probabilidades de sucesso encolhem ainda mais num clube como o Sporting - em que à habitual falta de tempo derivada dos longos anos sem conquistar o campeonato, se junta a incompetência de uma estrutura de futebol incapaz de montar um plantel competitivo, de proteger as costas ao seu treinador (a estrutura defendeu Keizer timidamente mas deixou Silas a cozer em lume brando desde a eliminação com o Alverca), de defender o clube contra quem o procura prejudicar e de mobilizar os adeptos.

A esta incapacidade crónica, acresce a irresponsabilidade do investimento que a contratação de Rúben Amorim implicará. O Sporting vendeu recentemente o único jogador do plantel de nível internacional, e não se pode dar ao luxo de estourar num treinador grande parte do dinheiro que é a última tábua de salvação para construir um plantel minimamente competitivo a curto prazo. Da mesma forma que não é solução tentar reduzir o valor em dinheiro através da cedência de jogadores que poderiam perfeitamente fazer parte do nosso plantel. Num treinador que há três meses estava no Braga B e que na época passada treinava o Casa Pia.

Tudo isto que escrevi tem muito pouco a ver com Rúben Amorim. Tem a ver sobretudo com o discernimento de quem o quer contratar. Varandas falhou com Viana, falhou com Beto, falhou com Vidigal, falhou com Keizer, falhou com Leonel Pontes e falhou com Silas. Falhou em demasiadas contratações e falhou em várias dispensas. Falhou estrondosamente a união do clube. Prepara-se agora para fazer um all in no seu 4º projeto de treinador. A única coisa que o separa de ser o pior presidente da história é a responsabilidade financeira que Godinho Lopes não teve. Mas por este caminho, é uma discussão que poderemos começar a ter em breve...